O presente trabalho, construído a partir de uma pesquisa etnográfica em uma das maiores favelas brasileiras (Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte), analisa como a Igreja – tanto a católica quanto a evangélica – é um importante regime normativo nessa comunidade.  O que aqui estão sendo chamados de regimes normativos são os mecanismos de funcionamento (tanto institucionais quanto morais), que organizam, orientam e tornam inteligíveis comportamentos em um determinado extrato e em um determinado território. Essas lógicas normativas guiam, portanto, práticas e sociabilidades, e é através da análise dessas práticas e de seus efeitos que este estudo se desenvolve. O trabalho de campo evidenciou que as Igrejas contam com uma profunda e estendida legitimidade entre os moradores da comunidade. Um exemplo disso é o fato de elas serem um dos poucos locais em que os jovens envolvidos com o crime – já que se trata de uma região com uma diversidade de gangues que competem e guerreiam entre si – podem circular com alguma segurança, uma vez que existe um acordo de não haver tiroteio dentro ou muito perto de igrejas em horários de celebrações religiosas. O que, em um primeiro momento, pode parecer contraditório, que é o diálogo entre igreja e crime, mostra-se, na prática, uma vivência de certa forma corriqueira nesse território. Além disso, a profunda legitimidade que a Igreja tem no Aglomerado torna-se um atrativo que leva algumas instituições estatais a com elas negociarem para lograrem atingir seu público-alvo. “Pegar emprestada” a legitimidade religiosa tem sido uma estratégia largamente empregada para o fazer-Estado na Serra. Enfim, o argumento delineado neste estudo é o de que a Igreja, como dispositivo disciplinar, se articula com duas outras importantes lógicas atuantes nesse contexto: a do “mundo do crime” e a do Estado, compondo, assim, uma triangulação normativa.